Análise: Silpheed (Sega CD -1993)

silpheed-coverFalar sobre Silpheed é uma tarefa prazerosa e, embora o foco desta análise seja a versão de Sega CD, comecemos falando um pouco sobre a “franquia”.

Com um punhado de títulos em plataformas que vão de meados dos anos 80 até a nossa década corrente, Silpheed conta com jogos bastante distintos em história, equipes e até mesmo empresas envolvidas em cada um deles.
Começamos em 1986 com Silpheed: Super Dogfighter para PC-88, MS-DOS, Apple II GS, Amiga e mais alguns PCs da época. S:SD é um shmup (shoot ‘en up) que coloca as coisas em perspectiva. Literalmente.
Com uma visão que simula alguma profundidade, numa perspectiva “letrinhas de Star Wars”, o efeito “falso 3D” era extremamente interessante, dada a data de lançamento.

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Silpheed, no PC-88

O destaque fica para os gráficos, bastante avançados e, sinceramente, nem tão distantes assim do que viria 7 anos depois na plataforma da SEGA.
Esta primeira versão e a de Sega CD são as únicas da série a carregar similaridades, fazendo com que a segunda seja praticamente um remake.

E vamos então ao cerne deste post.

Silpheed chega ao Sega CD chutando a porta!

Alvo de muita controvérsia até hoje, a versão de Sega CD veio ao mundo numa época em que Star Fox estava pipocando quentinho no Super NES da galera não-seguista. Naturalmente, foi tido como uma reposta da SEGA à então nova franquia da Nintendo, embora tal posição não fosse oficial.

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O principal motivo da comparação acima é simples: o uso de gráficos poligonais em um “jogo de navinha”, como a gente costuma chamar. Gráficos estes que aliás continuam gerando discussão, sobre a qual falaremos em instantes.
Independente de comparações, contextos e características gráficas, o negócio é mais ou menos assim: ao colocar Silpheed no seu Sega CD você se depara com um jogo de nave com cinematics pra dar e vender, uma história decente, mesmo que raza, gráficos de cair o queixo e trilha sonora pra espancar qualquer um! Juntando isso a uma jogabilidade frenética, Silpheed não terá muita dificuldade em tirar o fôlego do jogador.

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História

Melhor do que fazer a minha versão, vamos à tradução literal da narrativa no jogo:

“No ano de 3076 uma frota estelar não tripulada ataca inesperadamente a Colônia de planetas. O Sistema “Grayzon”, o computador de fótons central que controla a rede galática de computadores no planeta mãe, a Terra, foi hackeado por terroristas. Seu líder se apresentou como “o Zakalite”. Os sobreviventes da União galática e da Frota da colônia de planetas movimentaram/montaram todas suas forças para atacar o “Zakalite”. Sessenta e quatro anos-luz compões o seu caminho até o Sistema solar. Após a adição de reforços à nave tática de guerra, a SA-77 Silpheed, o que restou da frota iniciou o seu contra-ataque.”

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Como fica bem claro, a apresentação se dá no melhor estilo Star Trek the Next Generation, série que estava em seu auge na época. Pode ser uma história um pouco genérica, mas o que esperar de um shump? Apenas uma desculpa pra sair dando tiros pela galáxia, claro!

Mas é polígono ou não é polígono?

Silpheed conta com gráficos bastante impressionantes. Do ponto de vista de processamento, o add-on de CDs trazia um processador igual ao do Mega Drive, rodando num clock um pouco mais alto. Este esquema coprocessado, embora limitado por uma velocidade de comunicação entre-processadores e acesso à memória lentos, abria a possibilidade de dedicar cada chip para uma função específica. E neste caso temos o Mega cuidando da renderização das naves e objetos em primeiro plano, enquanto o Sega CD se matava pra renderizar o cenário.

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Aqui chegamos ao ponto áureo do post: o cenário são polígonos renderizados em tempo real, ou vídeo comprimido simulando polígonos? Uma vez que o Sega CD contava com compactação de vídeo em hardware, é uma discussão bastante válida. Mas à qual as pessoas sempre apresentam a argumentação errada.
Contrariando autoridades de reviews retrogames internet afora, afirmo: são sim polígonos, ou voxels (dependendo da fase), calculados em tempo real. E vamos à argumentação técnica.

Primeiramente, são polígonos pelo simples fato de que o Sega CD consegue rodar todos eles, como ditam as especificações técnicas do periférico:

Gráficos poligonais 3D:
Transformações de vértices: 16,000 vértices/seg
Transformações em polígonos: 5000 triângulos/seg, 4000 quadriláteros/seg
Renderização de framebuffer: 256×160, com double-buffer, 15–30 FPS
Flat shading: 3300 polígonos/seg (triângulos de 32-pixesl), 2100 polígonos/seg (quadriláteros de 64-pixel)
Mapeamento de textura: 2000 polígonos/seg

Em resumo, podem até dizer que programar para o dispositivo fosse complicado. Mas que ele dava conta do recado pra um jogo como Silpheed ser renderizado em tempo real, isso dava! Considerando que a equipe envolvida na parde de gráficos contava com cerca de 30 pessoas (segundo a revista EDGE de 10/93), dava pra fazer um estrago considerável.
Ainda, nas fases em que o cenário é feito em voxels/heightmap, o framerate fica consideravelmente comprometido, característica do maior processamento necessário para este tipo de cálculos.1
Naturalmente, o martelo nessa discussão só será batido o dia que alguém botar a mão no código fonte do jogo. Até que isso aconteça, continuarei defendendo meu argumento de que são polígonos calculados em tempo real.

Jogabilidade

Se por um lado o visual de Silpheed era bastante empolgante, a jogabilidade deixava um pouco a desejar, e isso não tem nada a ver com a dificuldade do jogo – bastante elevada. O que acontece é que, como não temos movimentação no eixo Z, o jogo é basicamente um shooter 2D visto numa perspectiva “diferentinha”.
Em 86, quando o primeiro título a série foi lançado, nada disso seria problema. Agora, numa realidade aonde o shooter se degladiava com Star Fox, que é um “on rails” com maior liberdade de movimentação da nave, essa limitação se tornara um pouco mais salientada.2

De resto a coisa bate bem. O jogo não te dá muito descanso e é tão difícil que todos os chefes, com exceção do último, acabam indo embora se você demora muito pra vencê-los (e não more enquanto tenta fazê-lo).
A variação de armas não é fantástica, mas faz sua parte, e o uso das armas especiais, naturalmente limitadas, acaba sendo essencial para terminar o jogo.
Como um bom título da primeira metade dos anos 90, não espere que Silpheed seja fácil: prepare-se para um empolgante desafio.

Cobertura da mídia na época

3Se a prova do tempo traz consigo o risco de nos tornar tendenciosos, vamos dar uma espiada no que as revistas especializadas diziam quando do lançamento.

“O jogo é uma pancada enquanto você cruza por um cenário espacial incrível e fantásticos mundos cibernéticos.” – EGM – 10/93
“Eu não consigo descrever realmente, este é um daqueles jogos que você precisa jogar. Tudo o que posso tentar fazer é te convencer do quanto [o jogo] é realmente incŕivel!” Gamefan – 10/93

Mas então é só coisa boa?

Como acontece nestes jogos antigos não tão tradicionais, nem tudo são flores. A jogabilidade difícil e pancadaria desenfreada, junto à frustração de não haver movimento em 3 dimensões de fato, pode ser o bastante para afastar o jogador.
Por questões de processamento, a interação com o cenário é reduzida, aumentando o fator de frustração, além de servir de fomento à discussão acima mencionada.
Para quem quer jogar Silpheed no hardware original, nem sempre é tão fácil e acessível a combinação de Mega Drive + Sega CD. Para aqueles que dependerem de emulação, embora não seja realmente difícil, é menos trivial botar o emulador pra funcionar neste setup, fatores estes que ampliam a barreira entre o título e o jogador contemporâneo.

Conclusão

Silpheed definitivamente não é melhor do que Star Fox. Roda melhor, é mais orientado a ação “fast paced”, mas ambos títulos não podem se enquadrar na mesma categoria, então as comparações nem sequer seriam muito válidas.
Você pode esperar um jogo difícil, aonde a trilha sonora e os inimigos vão elevar seu batimento cardíaco no melhor estilo “stress esportivo” que um jogo pode oferecer, o que é um grande ponto positivo. É também o mesmo fator que afasta muitos perfis de jogadores.
Talvez toda essa impressão acerca de um jogo poligonal pareça besta para nossos tempos, difícil de compreender para aqueles que vieram ao mundo já neste novo milênio, mas nada muda a importância histórica de certos jogos de vídeo-game. Silpheed certamente é um destes marcos, uma pequena estrela esquecida numa galáxia de jogos que tentam ofuscar um ao outro com seus respectivos brilhos.